
Homologação de Sentença Estrangeira: Mitos e Verdades
Quando um juiz de outro país profere uma decisão, seja em um divórcio, em uma partilha de bens, em um processo de guarda ou até em uma ação de alimentos, muitas pessoas acreditam que essa sentença passa automaticamente a valer no Brasil. Mas não é bem assim.
Para produzir efeitos no território nacional, a decisão precisa passar por um procedimento específico: a homologação de sentença estrangeira, realizada no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esse reconhecimento garante que a sentença atenda a critérios formais e não contrarie a ordem pública brasileira.
Apesar de ser um procedimento previsto na Constituição Federal e regulamentado pelo Código de Processo Civil, ainda circulam muitos equívocos em torno do tema. Neste artigo, vamos separar o que é mito e o que é verdade, sempre com base em informações oficiais e exemplos práticos.
Mito 1: “Toda decisão estrangeira precisa ser homologada no Brasil”
Esse é um dos enganos mais comuns. Há quem pense que qualquer sentença estrangeira, de divórcios a cobranças, de contratos a adoções, precisa obrigatoriamente ser homologada.
A verdade: nem todas as sentenças exigem homologação judicial. O Código de Processo Civil de 2015 trouxe exceções importantes. A principal delas é o divórcio consensual simples: quando não há filhos, partilha de bens ou pensão alimentícia, a sentença estrangeira pode ser registrada diretamente em cartório no Brasil.
O próprio STJ explica em sua página oficial que só é dispensada a homologação nos casos em que a decisão estrangeira trata exclusivamente da dissolução do vínculo conjugal. Basta que a sentença esteja apostilada (pela Convenção da Haia) e traduzida por tradutor juramentado.
Já decisões que envolvem bens, filhos ou pensão precisam passar pelo crivo do tribunal para terem validade.
Mito 2: “O STJ reanalisa o mérito da decisão”
Outro mito frequente é o de que o STJ faz uma nova análise da causa, revisando provas e argumentos.
A verdade: a homologação não reexamina o mérito. O tribunal apenas confere se a sentença cumpre requisitos formais: se transitou em julgado, se houve contraditório válido, se os documentos foram apostilados ou legalizados, se há tradução juramentada e se nada na decisão ofende a ordem pública brasileira.
Esse controle de compatibilidade é justamente o que garante que a sentença estrangeira não entre em conflito com princípios constitucionais ou com normas imperativas nacionais. O Código de Processo Civil, nos artigos 960 a 965, deixa claro que não se trata de “novo julgamento”, mas de um exame formal.
Mito 3: “A homologação é só uma burocracia sem importância”
Muitas pessoas acreditam que homologar é perda de tempo, algo que não muda a vida prática.
A verdade: sem homologação, a sentença estrangeira não tem efeito jurídico no Brasil. Isso gera problemas concretos:
- O estado civil continua como “casado” nos registros brasileiros;
- Imóveis localizados no brasil não podem ser transferidos com base em partilhas feitas no exterior;
- Acordos de pensão ou guarda não podem ser exigidos judicialmente aqui;
- Em inventários, o ex-cônjuge ainda pode ser considerado herdeiro.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reforça que cartórios e registros só podem reconhecer divórcios estrangeiros quando há homologação judicial ou quando a lei prevê dispensa expressa.
Portanto, a homologação não é mero detalhe burocrático: é a chave que garante segurança jurídica e evita que a vida civil fique em um limbo entre dois países.
Mito 4: “A homologação é sempre demorada e cara”
É comum ouvir que o processo de homologação leva anos e custa uma fortuna, o que acaba afastando muita gente da regularização.
A verdade: o tempo de tramitação depende da complexidade do caso. Processos consensuais, com documentação completa e sem filhos ou bens no Brasil, podem ser concluídos em menos de um ano. Já situações em que é preciso citar a outra parte no exterior podem se alongar, porque envolvem cooperação internacional entre tribunais.
Em termos de custo, a homologação envolve:
- Custas judiciais do STJ;
- Tradução juramentada dos documentos;
- Apostilamento (ou legalização consular, se o país não fizer parte da Convenção da Haia);
- Honorários advocatícios.
O Itamaraty explica em detalhes como funciona a legalização e o apostilamento de documentos no exterior, etapa fundamental para o processo.
Esses valores podem variar bastante, mas dificilmente superam os prejuízos de não homologar, como disputas patrimoniais, heranças contestadas ou problemas fiscais.
Mito 5: “Qualquer tradutor pode traduzir os documentos”
Outro equívoco comum é acreditar que basta apresentar uma tradução simples da sentença estrangeira.
A verdade: a lei brasileira exige tradução juramentada, feita por tradutor público registrado em junta comercial no Brasil. Isso garante a fidelidade do conteúdo e a validade do documento em órgãos oficiais. Traduções livres, ainda que fiéis, não são aceitas pelo STJ.
Esse detalhe costuma ser motivo de indeferimento de muitos pedidos de homologação, o que reforça a importância de seguir o procedimento corretamente.
Mito 6: “Depois de homologada, a sentença já é automaticamente executada”
Muita gente pensa que a homologação basta para que a sentença comece a produzir efeitos de forma imediata e prática, como cobrança de pensão ou transferência de bens.
A verdade: a homologação é o passo que dá validade à decisão estrangeira no Brasil, mas não substitui os procedimentos de execução. Se a sentença determinou pagamento de pensão, por exemplo, após a homologação será necessário abrir processo de cumprimento da sentença em território nacional.
Em outras palavras: homologar não é o fim, mas a porta de entrada para que a decisão estrangeira possa ser aplicada no Brasil.
Mito 7: “Se eu não homologar, nada acontece”
Esse é talvez o mito mais perigoso. Muitas pessoas acreditam que deixar de homologar não traz consequências reais.
A verdade: não homologar pode significar viver em uma espécie de limbo jurídico. Alguns exemplos práticos:
- Continuar oficialmente casado no Brasil, mesmo que já divorciado no exterior;
- Não conseguir registrar ou vender imóveis;
- Ter problemas na declaração do imposto de renda, já que o estado civil não bate com os registros da Receita;
- Ver o ex-cônjuge ser considerado herdeiro em um inventário, por ausência de averbação do divórcio.
Essas situações mostram que a homologação não é opcional: é o que garante segurança e evita litígios longos e caros no futuro.
Considerações finais
A homologação de sentença estrangeira ainda é cercada de mitos que confundem e atrapalham quem precisa regularizar sua vida jurídica no Brasil. Não é verdade que todas as sentenças precisam passar pelo STJ, mas também é falso acreditar que o processo é dispensável ou que pode ser resolvido com simples traduções livres.
Na prática, a homologação é o mecanismo que dá validade às decisões tomadas em outro país, permitindo que tenham eficácia aqui. Ignorar esse passo pode trazer consequências sérias, desde o estado civil desatualizado até bloqueios em inventários e contratos.Por isso, quem está nessa situação deve buscar apoio profissional especializado. O escritório Lopes Bellaguarda e Amaral Advocacia atua justamente com homologação de sentenças estrangeiras e pode conduzir o processo de forma segura, garantindo que a decisão estrangeira seja plenamente reconhecida no Brasil.
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